A última vez que escrevi sobre um artista ou obra, se me lembro, foi sobre o Menos Kool – Mais Klever. Isso porque o meu cérebro falhou. Há muito que falha, e diferente do Azagaia, eu não tenho um Kappa para costurá-lo. A minha irmã kassula, Nadine, é aquele exemplo puro de que não se faz promessas à uma criança, apesar dos seus 20 anos de idade agora. É que ela nunca esquece, passe o tempo que passar, faz pressão, chora, faz chantagem até que te sintas obrigado a cumprir a promessa. Os fãs são exactamente assim, principalmente de Rap.
Por ocasião dos prémios do Angola Hip Hop Awards, em Junho de 2016, Cfkappa prometeu que lançaria um EP se ganhasse um dos prémios nas duas categorias em que estava nomeado. Ora, venceu na categoria de liricista e como era de esperar, começaram as cobranças. Entre cobranças, o EP se transforma em mixtape e 7 meses depois, é real.
Real? Segundo o “O Nosso Dicionário”, da Didáctica Editora, Real – Adj. O que existe de verdade; verdadeiro; efectivo. Do rei ou da realeza. Cfkappa é o Soba e embora não seja da realeza, existe de verdade, é Real.
“Tu conheces-me, não é de hoje o esforço pra fazer ouvir minha voz, quando eles chamam-me de novato em comentários sei que sentes que é um desrespeito a todos nós, pois diz respeito à todos nós…” diz o rapper na música Real, por sinal, apresentada ao público no dia da consagração na gala de 2016, com participação da linda Íris Ribeiro. O verso onde consta esta linha poderia estar a responder o Prodígio, que chamou os rappers todos de Caloiros. Descarta-se. Como se sabe, este o fez em 2017 e dias depois, pousou em fotos com o Soba da cérebro, o que deve fazer dele o seu “caloiro/novato favorito“.
Num momento em que os rappers e seguidores usam e abusam das redes sociais para reclamarem do que consideram “nocivo” e apropriarem-se do Hip Hop, deviam parar e dar eco à este projecto e fazer dele trend. Porque não?
Traz diversidade temática, onde no meio de um som de afirmação filosófica e identidade existencial, a finada Edel, agora Ende, não deixou de ser visada, aliás, só escrevo porque também não fui torturado por ela. Realmente vivos, Ritmo e Arte misturam-se quando o artista junta nomes como o Azagaia, Lukeny Fortunato, Damani Van-Dúnem, Verbal, Leonardo Wawuti, Keita Mayanda e o “caloiro” Lizzy, um pequeno guerreiro, motivado entre os kotas.
O Flow conhecido do Kappa, assenta em beats bem seleccionados que não fazem ruídos nos ouvidos do ouvinte, mesmo quando se bronzeia na praia do trap. Sonoridade apurada, como em “Abre os olhos”, com Duc e Lizzy ou em “Família Real”, com Nayela. CF, tem rigor e qualidade gramatical na escrita como poucos no Hip Hop angolano, as linhas têm concordância e sequência lógica, dificilmente aparecerá na rubrica do seu irmão Kratos sobre linhas sem sentido, e não será por “nepotismo”*.
Rappers são egocêntricos, aqui, o músico considera-se pai do game e pede que seja posto em Cyphers com presidentes africanos, comparando a sua, com a longevidade destes no trono. Traz punchlines, porque Rap é isso, mas o Hip Hop é muito mais e por isso fala do valor da amizade, do compromisso, da irmandade. Em um mundo de conveniências, ilusões e fofocas, é preciso ter a capacidade de olhar para os olhos do outro e dizer que “não quero te ver partir, sou teu amigo, podes e deves contar comigo, com tanto ou com pouco“.
Where is the love? Perguntaram um dia os Black Eyed Peas. “Não sentes o amor, nesse teatro dinheiro faz o papel de amor“, responde o puto da Mong. Num dia normal da semana, quem sai da Maianga para a Samba depara-se com situações que o fazem perguntar-se “se o amor não existe ou o amor acabou“. O Troglodita Abdiel, não tem dúvidas de que o amor é a chave para um mundo imundo, falso e que vai ao abismo. O amor precisa de sinais, gestos e atitudes muito mais do que de palavras. Seremos capazes de encontrar o chaveiro ou será necessário o retorno de Cristo antes do previsto?
Disse que devia fazer eco. Se a essência do Rap é não falar de álcool, carros e mulheres, aí tem a essência do Rap, então, devia se tornar assunto, tanto como se tornam assuntos criticar quem fala daqueles. É que a melhor forma de combater o que achamos errado, é promover o certo. Mas percebe-se o silêncio da grande maioria porque para quase todos, o Kappa é um alvo a abater. E porque ainda não conseguimos engolir o nosso ego, respeitar e aceitar as diferenças e principalmente, reconhecer e promover alguém que parece melhor do que nós, é preferível, se calhar, fingir com uma partilha e depois sufocar-se no silêncio.
Junto a minha escrita, que não saiu com facilidade, aos bouquets da Eva e da Vaumara. Seja Bem – Vindo, CFKappa!
1 comentário
Tatiano Ralph · 20 de janeiro de 2017 às 23:01
Por dia, uma nova ideia.
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