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Ikonoklasta. Brigadeiro Matafrakuxz. 1000iSegundo. Nkwa Kobanza. Os nomes artísticos são vários, mas o nome do homem é só um: Luaty Beirão. Esta entrevista foi anunciada há quase um ano, mas desde lá pra cá tanto o homem como o artista foram catapultados uma notoriedade imprevisível naquela época. Por volta desta altura no ano passado, o Luaty subiu ao palco num concerto do Bob da Rage Sense e falou o que lhe ia na alma. Desde então, foi preso no dia 7 de Março, levou surra em diversas manifestações e, por mais que tente negar o contrário, tornou-se um dos símbolos da crescente juventude angolana inconformada com o rumo do país. Mas antes de tudo isso, o Brigadeiro é um músico polivalente, participante em diversos projectos culturais e musicais em Angola e Portugal. As perguntas e respostas que se seguem permitem-nos conhecer um pouco mais tanto o homem como o artista. Boa leitura.

As Origens

“Repara que eu falo de underground como sendo a única coisa digna de referência, porque o resto para mim é Hip Pop, eventualmente fazem temas “giros”, mas não os considero ser hip hop só porque rappam.”

Caipirinha Lounge – Como surgiu a sua paixão pelo hip-hop?
Luaty – Antes de 94 eu não tinha a perceção da existência de um movimento, de um estilo de um género musical ou cultura que me fascinasse no seu todo. Já tinha tido contacto com o Hip Hop através do Turbo (um breaker que rebentava tudo num filme que passou na TPA, convenientemente intitulado “Breakin’”) e, por mais incrível que possa parecer, com um disco de vinyl dos Breakmachine que o meu pai e o meu avô tinham, não sei se compraram por engano ou se estavam a tentar estar a par do progresso musical :). Mas eu era muito novo e não conseguia ligar as coisas à uma cultura específica, também por serem fenómenos esporádicos. Terão sido os meus primos que residiam em França, numa das suas férias de verão na casa da minha avó, que me “batizaram”, martelando-me constantemente com Cypress Hill, House of Pain, Gangstarr, Nas, Snoop Dogg, ao que eu retorquia tocando-lhes o Nevermind, Use your Illusion, enquanto jogávamos supernintendo.

Descreve-nos Ikonoklasta como artista.
Anti-dogmas, curioso, explorador, “tou-me a cagar, faço o que me der na venta”, preocupado com o mundo, atormentado, alegre, esquizofrénico, auto-crítico, palerma, melómano.

E como homem?
Anti-dogmas, curioso, explorador, preocupado com o mundo, atormentado, alegre, esquizofrénico, auto-crítico, palerma, melómano, chato, impossível de aturar, eterno ignorante buscando saber, saturado com a estupidez suicida do ser humano. 🙂

Como surgiu o relacionamento com MCK, Keita Mayanda, e o resto do Conjunto Ngonguenha?
Foi algo natural, todos gostávamos do mesmo, acabámos por desenhar esse destino de eventualmente nos cruzarmos. O MCK conheci-o ainda muito mocinho, quando tentava andar e vestir-se como um rapper, mas já tinha qualquer coisa de único que saltava à vista desarmada, destoando daquele look forçado. Carinha laroca e corte de cabelo com o logotipo da Wu-Tang, ficava à saída do programa de Hip Hop que tinha com o NK na LAC (A Era do Hip Hop) e fazia freestyles. Entregou-nos uma k7 com o primeiro som que lhe conheço e passámos no ar. Por alguma razão o microfone ficou aberto e o MCK, no pátio da rádio, ouviu-me dar gargalhadas com algumas das hilariantes linhas do som e na altura o pessoal não ia muito com a minha cara, acho que ele deve ter sido levado a pensar que ria de estiga e não de estar genuinamente divertido. Desde 96, 97 que nos conhecemos portanto. Já lá vão mais de 10 anos.

O Leonardo conheci também através do NK e sempre o achei um figurão, super engraçado, positivo e muito boa energia, alguém de bom para se ter por perto. Na altura vivia na África do Sul e gravou um som que nos kuyou bwé, quando ainda tinha o nome de “Cão Leão”. Depois saíu o Basicamente Simples e nessa altura já nos íamos cruzando e intrusando mais vezes.

O Condutas, foi meu colega no Colégio Elizângela, nunca imaginei que ele fosse dar para um hip hop nerd e um produtor tão talentoso. Só anos mais tarde, quando o Keita Mayanda foi viver para Portugal é que voltámos a restabelecer contacto e ele enviou-me cenas dele e do seu grupo Nova Trova. Depois também os sons que ia fazendo com o Keita lá e, pronto, recrudesceu a nossa amizade.

Ngonguenha foi o lógico e inevitável passo a seguir, a celebração da angolanidade de 4 pessoas que se admiravam mutuamente e que inspiraram surtos de criatividade uns nos outros. O Keita também só o conheci REALMENTE nessa altura, em 2002, mas já era fã dele, dos tempos em que ainda se chamava Revolucionário, membro do meu grupo preferido de então Os Filhos da Ala Este.

Porquê a sua retirada do grupo [Conjunto Ngonguenha]?
Cito o título de um disco do José Mário Branco: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Só posso dizer que as nossas rotas artisticas colidiram, por diversas razões, que tinham a ver com as aspirações e as ambições de cada um de nós. A vida pessoal/profissional também afetou a maneira como se encarava a música e apercebi-me com muita tristeza que já não estávamos em sintonia. Finalmente, restava-me aceitar isso como uma fatalidade própria da vida e agarrar-me as coisas bonitas que criámos juntos. Gosto muito do segundo disco, está mais “profissional”, a energia está lá na mesma, as músicas são muito boas, mas não consigo deixar de sentir um travo amargo na boca por no final do processo as coisas terem se revelado de maneira tão evidente e avassaladora, ao ponto de causar a rutura. Por isso o primeiro disco é mais especial para mim e resume-me melhor como artista e como pessoa, é mais à toa, mais despenteado, mais desarrumado, mais despreocupado com normas e atropelando inclusivé algumas.

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Cenas Que Curto

CEO do site CenasQueCurto.Net