2011 acabou e, como todos sabem, o rap desceu a Rua Augusta e escalou a pirâmide social brasileira entre um destaque e outro que começou a cantar temáticas diferentes das que, ao som de Racionais, Sabotage ou 509-E, mobilizavam as favelas há alguns anos. Mas como ficou o movimento que permaneceu na essência da periferia e da luta social?
Pra sabermos mais sobre o ano desse rap que foi pouco pautado pela imprensa, procuramos Dexter, ex-509-E, uma das grandes referências do hip hop militante, que lamenta o fato de a mídia ter "usado seus companheiros" Criolo e Emicida, acha o funk "degradante" e acusa os meios de comunicação de tentarem criar um "movimentinho paralelo ao rap combativo". Confira a entrevista abaixo na íntegra.
COMO FOI 2011 PARA O SEU RAP?
Neste ano eu fiz show até umas horas e em toda a rua que eu pisei tinha lá uma multidão me esperando. É claro que faltaram algumas coisas como o disco do Racionais que não veio, apesar de o Brown ter soltado uma música para o filme Marighella que está todo mundo ouvindo na favela, tocando em rádios comunitárias. Mas a verdade é que não teve uma divulgação do nosso rap, não é interessante pra mídia divulgar um show do Racionais, do Dexter, ou de outros que seguem a mesma linha, a não ser que ela vá lucrar com isso.
"Não é interessante pra mídia divulgar um show do Racionais."
CRIOLO, EMICIDA, RASHID…
O Emicida, o Criolo, o Rashid apareceram na mídia porque o rap deles não é tão contestador quanto o nosso. Não estou de forma alguma menosprezando o trabalho dos meus companheiros, mas o nosso rap nunca apareceu e não é feito para aparecer na televisão.
"Se você perguntar por Emicida na favela, ninguém vai ter idéia de quem é."
Eles são muito bons, inclusive esses dias eu estive com o Emicida, fiz uma participação no show dele, assim como ele já participou de show meu. Só que a mídia está tentando criar um movimentinho do rap e o Emicida e o Criolo não deveriam abraçar essa fita, porque a nossa cultura não é um movimentinho paralelo, é um todo, muito maior do que este que a TV quer criar, que tanto é paralelo que se você perguntar por Emicida na favela, ninguém vai ter idéia de quem é.
NOVOS NOMES
Entre os nomes que se firmaram em 2011 destaco Rosana Bronk’s, que tem a ver com a nossa pegada, que faz rap engajado, tem o Nego Jam, do Duke Jam Nação Hip Hop, e o Gregory, do Total Drama, que apareceu bastante esse ano e vem com disco novo em 2012.
FUNK NA FAVELA
O funk é um atrativo. A galera quer se divertir também e não ficar só falando de problema, até porque o rap trata muito disso, de desigualdades, questões raciais e tal, então o funk ocupou um espaço um pouco maior na favela e eu atribuo isso ao fato de a gente não ter um material maior na rua.
Talvez não estejam ouvindo tanto rap na rua, mas existe uma grande diferença entre o nosso movimento e o funk, o nosso rap é cultura, o funk é atrativo. E, sinceramente falando, a mensagem do funk pra mim é degradante, ela degenera, os caras não estão nem aí com nada, vangloriam o crime, colocam a mulher como objeto sexual e está tudo certo, é diversão, putaria.
Eu tenho vários amigos do funk, respeito, mas não posso legitimar a música dos caras porque vai contra o que eu canto. Eles querem ganhar dinheiro, querem mulher, querem carro, ouro, eu não quero nada disso, você vê que o crime está crescendo e não é isso que o rap prega.
PRISÃO
Eu, graças a Deus, ganhei minha liberdade neste ano. Mesmo preso, desde 2008 o juiz estava me liberando pra fazer shows, e agora, com a minha liberdade, estou conseguindo tocar projetos como o ‘Como vai ser o Mundo’, lá em Guarulhos.
LUTA POLÍTICA
O rap é isso, agora a gente não pode obrigar as pessoas a lutarem também. O rap salva vidas, porque a minha foi salva pelo hip hop, e a geração de 1990 – a minha – mudou a forma de pensar. Hoje, parceiros da minha geração que se engajaram no movimento, ocupam cadeiras importantíssimas dentro da sociedade. Temos o Rappin Hood na 105, o Max B.O no programa Manos e Minas, o Márcio Santos, representando =o hip hop na Secretaria da Cultura de São Paulo, então, quem entendeu a mensagem do rap se deu bem e está aí.
"Ela [a mídia] prefere mostrar o movimento dos boy pedindo maconha"
Se o boy vai pra rua pedir a liberação da maconha, eu acredito que o hip hop jamais vai fazer isso, a gente quer é comida na mesa do nosso povo, que a saúde melhore, que tenha boa condição financeira, e a gente tenta por isso na cabeça do nosso povo com as nossas letras, mas os movimentos sociais da favela a mídia não mostra e ninguém vê. Ela prefere mostrar o movimento dos boy pedindo maconha.
Eu acredito que o nosso movimento é de esquerda, é uma cultura de esquerda, e a gente faz o que precisa ser feito dentro da nossa comunidade, e a gente não quer ficar mostrando nada pra ninguém não. Fazemos questão de nós mesmos colocarmos a mão na massa. Estamos fazendo a nossa parte e fazendo a diferença.
"Se o boy vai pra rua pedir a liberação da maconha, eu acredito que o hip hop jamais vai fazer isso, a gente quer é comida na mesa do nosso povo"
EM COMPARAÇÃO AOS ANOS 90
Hoje nós queremos as mesmas coisas. Algumas a gente conquistou e por isso não estamos batendo na mesma tecla, até alguns estão cantando sobre outros assuntos, mas isso não quer dizer que não estão com a gente na luta. O que pode mudar são os timbres, a batida, a elevada e tal, mas a essência é a mesma.
RAP CAFETÃO
É uma realidade dos gringos, mas agora aqui é outra situação, é outra realidade, eles já passaram pela situação que a gente está passando de valorização da cultura e, inclusive, eu acredito que alguns deles estão voltando a fazer isso agora. É o caso do Snoop Dogg que veio pro Brasil recentemente e disse em reportagem que
queria voltar a fazer um rap pra mudar a mentalidade das pessoas, rap que fale de consciência.
GOVERNO PT
Já melhorou muita coisa, mas a elite sempre dá um jeito de ganhar mais, seja pela corrupção, seja como for. Mas acredito que a favela tem que correr atrás do seu também, tem que estudar, mostrar o seu potencial.
A Dilma ainda tem muito pra fazer, mas a gente acredita muito nela. É uma mulher que participou de guerrilhas e conhece o sofrimento do nosso povo. Vamos acreditando até chegar naquilo que a gente acredita ser o ideal, que é a igualdade social. Mas é tudo um processo, como você vai mudar em nove anos uma coisa que demorou 500 anos pra ser construída de forma errada?
"A elite sempre dá um jeito de ganhar mais, seja pela corrupção, seja como for."
E 2012?
Produtores de outros segmentos estão dizendo que 2012 é o ano do rap. Este ano nós fizemos muitas coisas, mas nem vai se comparar ao ano que vem que vem o disco do GOG, do Racionais, do MV Bill, a rapaziada escolheu 2012 pra lançar os seus materiais, diferente deste ano que veio pouca coisa nova e o que ficou marcado foram os shows e as trocas de ideias pelo Brasil inteiro.
Fonte: www.mtv.uol.com.br