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Nomeado: Valete
Nome: Keidje Lima
Idade: 30
Naturalidade: Português
Aniversário: 14/11
Ofício: Artista / Rapper
Outras profissões: Marketeer
Livro: Império da Vergonha – Ziegler
Música ou banda sonora: Thriller (Michael Jackson)
Filme: Colisão
Um destino: Nova Iorque
Clube: Sporting Clube Portugal
Interesses: Música, Cinema e Futebol

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1 @ Elogiam-te a “inteligência exímia”, o teu “maravilhoso flow”, a tua brilhante sensibilidade artística, o que é que inflama o rapper que há em Ti?

R: Em 97, O Boss Ac e o Gutto, dos Black Company, organizavam workshops de HipHop em vários pontos do país. Eu lembro-me de ter participado num, onde o Boss Ac me disse que um mc quando consegue ser muito inteligente e ter um grande flow torna-se numa arma indestrutível. Desde essa altura, que tenho lutado para tentar ser esse tipo de mc. Porque, realmente, se tu tiveres um bom flow, aqueles que te ouvem vão sentir prazer. E sentindo prazer, as pessoas absorvem as tuas palavras e a tua mensagem mais facilmente. E se fores um mc pertinente e cerebral, podes pôr muita gente a meditar sobre as tuas perspectivas de vida, políticas ou até filosóficas. Isso é fantástico!
Eu acho que tenho um talento para comunicar através da escrita e se eu conseguir aliar isso a um rap cerebral e a um bom flow, consigo fazer, também, com que a minha música seja verdadeiramente eficaz. É esse o objectivo e é isso que eu quero que inflame no rapper que há em mim.


2 @ Como crítico e intervencionista social, analisas como a sociedade actual? As revoltas no Médio Oriente e no Norte de África, a geração “à rasca e precária”?

R: Estamos em transição para algo muito doloroso. A dívida vai asfixiar muitos estados do mundo assim como asfixiará Portugal. Este nível de vida que as pessoas conheceram até agora vai desaparecer. Vai haver menos dinheiro para tudo. E acredito que podemos passar por uma fase de perigosíssimas convulsões sociais.
As revoltas no Norte de África e Médio Oriente, trouxeram um elemento novo que foi o apelo popular através da internet. Estamos noutra era. Hoje, é muito mais difícil conter e estupidificar as populações. Foi um grande sinal para o mundo de que nenhuma nação pode ser privada dos seus direitos. Ditadores como Mubarak e Kadhafi achavam mesmo que eram donos dos países, da mesma forma como algumas oligarquias políticas e económicas do ocidente acham que são donos de certos países. O povo está mais esclarecido hoje, e estará cada vez mais preparado para a acção porque os dias de fome, precariedade e pobreza que se avizinham levarão muita gente ao desespero. Esse tipo de revoltas será cada vez mais frequente.
A geração à rasca é um facto consumado. A globalização obriga as empresas portuguesas a competir com empresas em todo o mundo, até empresas de países onde há altos níveis de exploração laboral e violação de direitos humanos. Neste cenário, em que os mercados são abertos, países pobres e de poucos recursos como Portugal não podem competir com empresas chinesas, praticando bons salários e oferecendo grandes regalias aos trabalhadores. E é claro que os países mais ricos não estão interessados em parar esta caminhada globalizante que destrói os mais fracos. Países pobres e periféricos como Portugal vão aproximar-se cada vez mais de países de terceiro mundo e a precariedade será uma constante no mercado laboral. Está tudo fodido!


3 @ No actual cenário político de crise financeira, consideras que com tantas medidas de austeridade, nós, portugueses, chegaremos a um bom porto?

R: É uma questão realmente difícil porque, na verdade, o nosso país vive há demasiado tempo muito acima das suas possibilidades reais. Portugal foi-se endividando para proporcionar aos portugueses o nível de vida que têm hoje. Praticamente, não houve medidas de desenvolvimento económico que tenham resultado em profundidade. O país pouco ou nada cresceu nos últimos dez anos. Há economistas a afirmarem que, com a riqueza que o país gera, o salário mínimo deveria ser pouco mais de 300 euros e o salário médio nem deveria chegar aos 500.
A economia depende muito da confiança e do estado de espírito da população. Com estes cortes no rendimento das pessoas, haverá uma redução muito significativa no consumo individual. De tal forma que, em vez de se aliviar a pressão na despesa
pública, se vá contrair muito na receita. É um resultado muito difícil de prever, até para os melhores economistas, porque vai depender muito do comportamento das pessoas. Sabemos que, com menos rendimento há menos consumo, agora, veremos o quão menos se vai consumir.
Sou de esquerda e estou sempre preocupado com a necessidade das pessoas. Mas não sou demagógico e sei também que, nesta altura, alguma contracção no rendimento das pessoas era necessária, porque não se pode viver eternamente do crédito, vivendo-se acima dos rendimentos. Sinceramente, acho que não vamos chegar a um bom porto porque a merda no passado foi tanta ao nível da gestão económica que, actualmente, será mesmo muito difícil melhorar a situação que temos sem que isso provoque enormes conturbações sociais.


4 @ Numa época em que tanto se fala de alternativa política, já pensaste em “liderar a revolução”? Em dar a cara por um movimento? Numa militância activa no pleno exercício da tua cidadania. Ou fazes precisamente isso com as tuas letras?

R: Nós vivemos em democracia. Logo, não será necessário nenhum golpe de estado. Só acho é que as pessoas devem votar e votar informadas. Em Portugal, quase metade das pessoas não vota e grande parte da outra metade que vota nem sabe no que está a votar. Não conhecem o programa, nem sequer a ideologia dos partidos. E isso é lamentável!
Nunca serei líder de nada porque não tenho esse perfil, nem essa preparação, mas estou disposto a participar em movimentos que considere genuínos e que queiram mesmo representar as necessidades das pessoas e o interesse nacional.


5 @ Como é que vês o rap em Portugal? Ainda é muito Lisboa e Porto ou já vão começando a nascer as rimas certas com beats de qualidade no resto do país?

R: Sim. Hoje, em Portugal, o rap é algo mesmo transversal. Há fãs e praticantes em todos os cantos do país. E já se constata muita qualidade em vários locais, longe de metrópoles como Lisboa e Porto. A internet também ajuda a descentralizar a música e a dar a conhecer esses grupos emergentes que não são desses dois grandes centros urbanos. Claro que vivendo nas grandes cidades, tem-se mais facilidades ao nível das estruturas de promoção, concertos, músicos, editoras, etc. Mas, mesmo assim, penso que esteja bem mais equitativo que antes.

6 @ Por exemplo, de Bragança, conheces algum bom rapper ou produtor?

R: É pena, não conheço mesmo.


7 @ Muitos consideram que actuar em palco é uma componente fundamental de um rapper. Porque é que deixaste, simplesmente, de actuar ao vivo?

R: Por algumas razões pessoais e, também, porque sentia que ainda não tinha a estrutura, nem o material certo, ao nível musical, para enfrentar os palcos. Este álbum novo que estou a preparar já me vai dar isso tudo, para além de me dar um conceito que eu quero partilhar com as pessoas. O álbum chama-se Homo Libero (Homem Livre) e quero, mesmo, difundir este conceito por todo o lado. Agora, mais do que nunca, fará sentido actuar ao vivo e devo começar já antes do álbum sair. Em princípio, em Maio, actuaremos na semana académica de Faro.


8 @ Já agora, para quando um concerto em Bragança? Ou, pelo menos, uma tão ansiada tour nacional?

R: A tour virá depois do álbum sair para o mercado e acredito que passaremos por Bragança.

9 @ Sempre criticaste os mc’s do “nada”, os rappers comerciais e a cultura dos “reality shows”. Continuas a ver muitos malabaristas do plagiado, pseudos mc’s e rapper’s bling bling’s por aí à toa?

R: Sim, ainda há muitos… Mas, graças a “Deus”, as pessoas não valorizam muito esse tipo de mc’s em Portugal. Então, eles têm sempre pouco espaço.


10 @ Como um dos mais respeitados rappers de Portugal, a tua música ultrapassou montanhas e oceanos, partindo da Europa com destino ao Brasil e a África. Consegues explicar tamanho fenómeno?

R: Teve um pouco a ver com a massificação da internet, que permitiu à minha música espalhar-se por todo o lado. Isto porque eu sempre fui um mc com muito pouca rádio e televisão. Então, a internet sempre foi o meu maior meio de difusão e acho que eu, em particular, e todos, em ge
ral, beneficiámos muito com essa massificação.
Acredito, também, que foi derivado à universalidade das questões que eu abordo nas minhas letras que esses países se identificaram com o meu rap. Acho, também, que tenho um tipo de escrita clara e comunicativa, que dá para entender e absorver em qualquer país lusófono.


11 @ Para quando mais colaborações com o rapper moçambicano Azagaia? Pelo discurso convergente, a lusofonia, a conexão Portugal-Moçambique?

R: Gosto muito do Azagaia! Ele convidou-me, recentemente, para entrar no seu novo álbum e eu quero mesmo participar! A música que fizemos, “Alternativos”, funcionou muito bem e é uma música bastante apreciada em quase toda a lusofonia. Vamos tentar fazer uma cena diferente, mas que consiga ter o mesmo impacto que a outra teve.

Keidje Lima: o Poeta das Rimas

12 @ Mais recentemente, criaste para a Mixtape dos Orelha Negra o tema: “A melhor rima de sempre”. Como surgiu essa “grande” composição sonora?

R: De uma forma muito espontânea porque, para mim, foi um estrondo de ironia. O gajo que fez sempre tudo para que eu continuasse no rap, vir dizer-me que já não ia continuar. Eu só faço rap por causa do Adamastor! Quando me disse que ia abandonar a música, senti que não fazia sentido nenhum porque o Adams sempre seguiu a filosofia de que os seres humanos devem fazer o que gostam, mesmo que passem dificuldades. Enquanto a felicidade superar essas dificuldades, vale sempre a pensa. E nunca devemos ceder à pressão da sociedade, que nos quer a todos na rotina das 9 às 18, robotizados e condenados à infelicidade e à monotonia. Para mim, foi terrível! Porque eu, também, fiquei muito frágil. E sinto, agora, que quando estiver instável e a um passo de desistir, já não terei aquele mentor que não me deixava fraquejar.


13 @ E a tua relação com o Sam the Kid? Descreve-nos ela, sabendo eu que existe aí qualquer coisa de muito forte, uma amizade sólida que vos une.

R: Com o Sam é algo mesmo muito forte. Estamos juntos há uns 15 anos. O Sam é dos meus amigos mais antigos. Praticamente, crescemos juntos no rap. É como aquele amigo de infância que vai ficar perto de ti a vida toda. O mano sempre me ajudou em momentos cruciais da minha trajectória no rap e é mesmo daqueles gajos a quem devo muito.


14 @ Participaste no projecto “Diversidad: European Urban Experience”. Foram 20 artistas de 12 países e 9 línguas que resultaram em 14 músicas. Fala-nos sobre essa experiência e do “Diversidad”, álbum dela resultante.

R: Mega experiência! Com este formato, o projecto iniciou-se, apenas, o ano passado e terá continuação ao longo de 2011. Tem sido fantástico! Estou em contacto permanente com 19 grandes artistas que são do melhor que existe na Europa. Diversidad é o melhor espaço que um mc pode ter para crescer enquanto artista e até enquanto ser humano. E foi impressionante como é que gente tão diferente conseguiu criar um grupo tão sólido e homogéneo.


15 @ Em 2010, saíram alguns álbuns que marcaram a cena rap. Diz-nos três trabalhos nacionais ou estrangeiros que te tenham influenciado enquanto artista?

R: Nenhum álbum me influenciou em 2010, mas posso-te dizer que estrangeiros gostei de: Tote King, “El lado oscuro de gandhi”; Hocus Pocus, “16 pieces”; e Conjunto Ngonguenha, “Nós os do Conjunto”. Nacionais: Mind Da Gap, “A Essência”; Xeg, “Egotripping “ (mix tape); e Dealema com “Arte de Viver”.


16 @ Com quem gostarias de vir a colaborar num futuro próximo? Tens algum artista de referência predilecto?

R: Talvez a Tamin seja a artista com quem mais quero
fazer um som actualmente. É uma cantora soul aqui de Lisboa. Já combinámos fazer um tema, mas ainda estou a tentar encontrar a música certa para fazer com ela.


17 @ Para terminar, quando poderemos ouvir o teu próximo álbum? E porquê a demora?

R: Acredito que depois deste Verão. O álbum vai sair, simultaneamente, em Portugal, Angola, Brasil e Moçambique. Então, tem sido um pouco difícil negociar as condições com quatro editoras diferentes, para que o álbum saia em boas condições.
Sinto que o mundo muda a cada passo e estamos já a caminhar para uma Nova Era. Diferente ao nível do conforto económico, das condições sociais e até dos modelos políticos que conhecemos. Por isso, estou, também, a actualizar algumas letras para espelharem melhor esta fase de transição e o futuro que se avizinha.


Cenas Que Curto

CEO do site CenasQueCurto.Net