Sempre que é possível, trazemos análises de MCs/Grupos de pontos geográficos diferentes (da lusofonia), esperamos assim deixar claro que os “Versus” não têm fronteiras. Hoje vamos fugir um pouco à regra e trazemos dois MCs de Portugal, embora que um seja de Setúbal e outro de Lisboa, os dois artistas têm um dom comum: são excelentes produtores.
Começamos com o mais novo, João Batista Coelho aka Slow J, o MC de Setúbal, com raízes em Angola. Na biografia oficial deste MC, podemos ler “Slow J é uma mistura“. Formado em Engenharia de Som, com apetência para produção de instrumentais, em 2015 Slow J deu-se realmente à conhecer aos amantes de RAP com o lançamento do álbum “The Free Food Tape”. Com uma sonoridade diferente, o jovem artista trazia “linhas” enigmáticas.
Eu ‘tou tão longe da verdade pura, dura
À procura da sanidade do outro lado da loucura
Diz o monge que a verdade cura, jura
Mas por mais que eu sorria volta sempre chuva
Slow J traz linhas que transmitem às emoções das suas viagens, as dificuldades, as lutas internas, a vontade de vencer. Um MC que não quer mais do mesmo, que procura formas inovadoras de transmitir mensagens para quem possa interessar. Na faixa em análise, intitulada “Comida”, Slow J deixa claro: está nesta cultura por amor e almeja ser lembrado como um dos melhores. Nesta faixa, Slow J abdica do coro, de melodias mais repetitivas e avança para “barras e barras” sem parar…
Linhas Marcantes:
Eu nunca fui guloso, só quis algo mais que amigo
Fazer ao Rui Veloso o que o Ronaldo fez com o Figo
Fome de ser colosso circulou e o ser colou-se
Ao ser que só queria ser feliz, mesmo que sem abrigo
Eu devo ser um ser antigo
Para parecer-me, deves parecer-te só contigo
Eu devo ser um ser antigo
Para parecer-me, deves parecer-te só contigo
Ligo o Mic, barro o pão, 80 barras para degustação
Já ninguém me agarra sem a vocação
Isto é de coração
Designs vindos do interior
Nigga, eu faço isso por amor, não por bajulação | Veja a letra completa
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Do outro lado está Samuel Martins Torres Santiago Mira AKA Samuel Mira AKA Sam The Kid AKA STK. Quem acompanha o hiphop em Portugal decerto que não precisa de uma introdução sobre o MC e Produtor que representa Chelas.
Podíamos ter procurado por um dos clássicos no fundo do baú, mas Sam The Kid continua bem activo e na compilação “Mechelas” trouxe mais uma obra marcante.
“Sendo assim” é música com alma, em que o artista partilha mais do que conhecimento, partilha verdadeiras emoções sobre o que o leva a estar ano após ano a defender a cultura HipHop.
Na 1ª estrofe, Sam The Kid deixa claro que o seu objectivo nesta indústria é partilhar o seu melhor e não agradar as massas:
Faço algo que eu adoro e ignoro o prazer ruim
Eu não quero ser o melhor, eu melhoro a fazer de mim
Nunca tive uma ambição com a ilusão de uma aderência
Porque ter a profissão não é missão, é consequência
A escrita de STK é acima da média, a combinação de palavras… poesia pura. Um liricista certificado. Em “Sendo assim” dá para sentir a preocupação do autor, que alerta (aos mais jovens e não só), que o topo não é recheado de flores: “o trono é egoísta…”.
Tal como Slow J, Sam The Kid deixa claro que o objectivo da sua arte é trazer algo mais. Sem ser afectado por pressões, prazos, cobranças…paz de espírito para trazer conteúdos intemporais e que possam ajudar os ouvintes a evoluir.
Linhas Marcantes:
Se a arte é altruísta, não é o que eu vi no topo
Porque o trono é egoísta, nada filantropo
Lancei-me e nunca bazei assim que saquei o dobro
‘tou grato pelo passeio, eu ziguezagueio o globo
E guardo notas de rotas poliglotas
Em hóteis só muda o lençol é ver o sol e voltas
Para quê fazer um álbum se ele dura meses?
Por vezes sinto que ainda estamos na moldura presos
Na era pura, com todos na cultura tesos
Quando a vibe era insegura, eu sou da altura desses
Sem prazos, sem preços
Sem maços, sem interesses | Veja a letra completa
Tem alguma sugestão para a próxima edição do Versus? Deixe nos comentários…